quinta-feira, 4 de junho de 2009

em um mundo sem visão


Um semáforo fechado. Três fileiras de carros parados, pedestres atravessando a rua. O semáforo abre, os carros começam a andar... mas a fileira do meio continua parada. Os motoristas dos carros de trás começam a sair de seus veículos para ver o que é que está bloqueando o trânsito. Vão até o primeiro carro da fileira e veem que o motorista parece estar perturbado, gritando duas palavras. Apenas duas. Estou cego. É a partir daí que se desenrola toda a trama de José Saramago a respeito de uma misteriosa epidemia branca, em Ensaio sobre a Cegueira.
Dado o pontapé inicial, algumas pessoas aleatórias ou relacionadas ao primeiro cego aos poucos vão perdendo a visão. Para controlar esse mal, o governo envia esses cegos para uma espécie de quarentena em um antigo prédio onde funcionava um manicômio. Entre os cegos está, por ironia, um oftalmologista. Do que adianta um doutor de olhos se seus próprios olhos não enxergam? E, por alguma razão não explicada, a mulher do oftalmologista não cega. Mas resolve acompanha-lo de qualuqer forma ao manicômio. Lá ela se depara com o pior e o melhor do ser humano. A ganância, a honestidade, o trabalho em equipe, a coragem, o egoismo.

No enredo do livro não é vista uma preocupação com a possível causa da cegueira - inclusive as pessoas cegas estão conformadas com a situação, apenas mantém a fé de que sua visão voltará. O que é relatado no livro é a que ponto pode chegar a humanidade sem organização: uma completa anomia ética, onde o verdadeiro sentido da vida virou ir atrás de comida.

O livro, assim como o filme, choca. Mostra o pior que o ser humano pode se tornar e a que ponto pode chegar. Os personagens do livro não tem nome, são chamados pelo narrador conforme a sua condição: a esposa do médico, a rapariga de óculos, o menino estrábico. Como disse uma das personagens do livro, "do que adianta nomes se nos reconhecemos assim como os cachorros?". E muitas partes são tão terríveis que o próprio autor deixa a imaginação à nossa caráter, dizendo que a cena era tão imprópria que não existiriam palavras para descrevê-la, por exemplo.

Um livro, embora chocante e por muitas vezes repulsivo, abre a cabeça do leitor para muita coisa séria. Tantas vezes desejamos um carro melhor, uma casa na praia, um aumento de salário, quando que a coisa mais preciosa, a nossa visão, está aí o tempo todo e não é valorizada. É somente quando perdemos as coisas que percebemos o quanto elas são importantes. Denada adiante muito dinheiro e status se você não pode nem fazer a barba sozinho. Ficadica.

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